quinta-feira, 29 de maio de 2014

Após o encontro em que conversamos sobre o universo feminino, acabamos descobrindo que apesar de sermos muito diferentes, algumas situações acabam sendo universais: Vaidade, ansiedade, atrasos, pressões diversas.
Com base nesse encontro, e nas situações discutidas, Alice foi personificada em um texto e vive essas tais situações universais, com um pouco de exagero e um toque de ironia:


                                                                       Um dia com Alice

Alice acorda, ainda com vontade de dormir, regula o despertador para dali a 5 minutos, sagrados cinco minutos. Na melhor parte do sonho o maldito despertador toca de novo, e desta vez é hora de se levantar.

No caminho para o banheiro, se olha no espelho e isso a desanima, quando vê o cabelo desgrenhado, o corpo acima do peso, as espinhas que preenchem o rosto quase inteiro, mas, espere, ontem ela se achava radiante, magra, estava de bem com o cabelo, é... Vai entender.

Começa a tomar banho e perde a hora, se assusta ao sair do banheiro, veste a roupa correndo, mas não, de jeito nenhum vai sair sem maquiagem. Volta, passa base, blush, lápis, rímel, e a sombra, gasta mais três minutos escolhendo qual cor mais combina com a roupa e passa, já está mais do que atrasada, então ao invés de toma café, pega um pedaço de bolo e sai correndo.

Tranca a porta, e quando já está na metade da rua pega o celular, mas cadê o fone? Ah não, de jeito nenhum, sem o fone não dá. Sobe a rua, pega o fone, tranca o portão, desce a rua novamente. Mas será que ela trancou mesmo o portão?

Lá vai ela pela segunda vez, já cansada e com raiva, esperando que o portão esteja destrancado, pois seu tempo perdido valerá a pena. Droga! Estava trancado. Desce a rua – mais uma vez – e dessa vez já está chegando no ponto, pelo menos isso, aquele é seu ônibus? Corre desesperada, o motorista a vê, mas dá a partida, deixando Alice cansada, com vergonha – parece que todos estão olhando – e parada no ponto.

É, definitivamente hoje não está sendo um bom dia. O próximo ônibus passa em 20 minutos, lotado. O sono chega, o trânsito aumenta, um empurra-empurra, um “com licença”, e ela ali, em pé, atrasada, com fome e com sono. Na metade do caminho, uma senhora se levanta e ela consegue um lugar na janela, parece que a sorte está começando a mudar.

Dorme, um sono profundo e só acorda com um homem tocando suavemente em seu braço, dizendo que já chegaram no ponto final. Com a vista ainda embaçada, repara que dormiu com a boca aberta e a saliva estava escorrendo em seu rosto, até ai tudo bem, paciência. Até ai, pois quando levanta, vê que um menino – lindo – estava olhando em sua direção e segurando uma risada.

Só após descer do ônibus correndo é que Alice se deu conta, o céu estava muito claro, isso significava que estava atrasada. Pega o celular, respira, e espia o horário, teria de estar no trabalho dali a dez minutos. E agora? Tinha acabado de chegar na estação, e ainda faltavam mais treze para chegar ao trabalho.

Sim, ela sempre reclama da falta de educação das pessoas, sim, ela odeia ser empurrada e sim, ela estava empurrando meio mundo de gente! Mas era por uma boa causa, amanhã ela até pede para segurar a bolsa de alguém no ônibus, só para compensar.

Ela entra no metrô, está bem na porta, tudo apertado, a luz pisca, o sinal toca, as portas estão fechando. Prende a respiração, se encolhe, abraça a bolsa, vão fechar? Vão fechar? Fecharam. Um suspiro de alívio.

Em meio a todo aquele aperto, não consegue olhar o relógio, será que já se passaram os dez minutos? Deus queira que não. Já começa a inventar uma desculpa: “Estava trânsito, meu ônibus ficou 30 minutos parado, acredita?”, ou seria melhor “O metrô estava um caos?”, ai, a ansiedade dói, na hora, ela decide qual desculpa inventará.

O vagão – incrivelmente - lota cada vez mais, e o metrô parece se arrastar, uma pirraça, só pode ser. Quando enfim chega na estação, não sabe se olha o celular – pois sabe que vai se desesperar – ou se corre, no fim, escolhe fazer os dois, e se desespera mesmo, já está vinte minutos atrasada.

Chega no prédio quase sem respirar, o coração martelando no peito, mas chegou, isso é o que importa. Senta na sua cadeira, e uma boa notícia, seu chefe está em reunião, nem notaria seu atraso. Começa a colocar o trabalho em dia, clipe aqui, grampeia ali, escreve uma nota dali, e assim o dia vai passando de forma leve.

Até a hora que o celular apita, uma mensagem. Será que é ele? O coração acelera, as mãos ficam frias, um esboço de sorriso aparece, será que é ele? Aquele momento de dúvida é tão bom, mas tão rude ao mesmo tempo, não quer olhar logo a tela do celular, com medo de se decepcionar, mas e se for ele? Todo esse instante de dúvida dura menos de dois segundos, e ela desbloqueia a tela - o coração bate ainda mais forte - clica no ícone da mensagem - Ai meu Deus! - É agora...

Mensagem da operadora.

Um vazio preenche a sua cabeça, simplesmente vazio, tamanha frustração paralisa a pobre Alice, que fica ali parada olhando a tela. Aquele toque desviou toda a sua atenção, agora trabalha, mas pensando nele, no sorriso, no beijo, na saudade, será que ele vai mandar mensagem?

E em um desses devaneios, ela se pergunta, “Hoje é quarta?”, no que ela mesma responde, “Sim, hoje é quarta”, “Hoje é quarta!!!”, o trabalho de filosofia é para hoje!. Novamente, olha no relógio, falta uma hora até dar seu horário e ter que correr para a faculdade. Esquece tudo o que estava fazendo e começa a fazer pesquisas, depois de 57 minutos estava pronto, só faltava imprimir, e por incrível que pareça, a parte mais difícil.

Estava sem dinheiro para pagar uma impressão, portanto, teria que imprimir ali no trabalho mesmo, coisa proibida. Observa quem está perto da impressora, olha as mesas e vê quem provavelmente irá imprimir algo, ninguém, estão todos se arrumando para ir embora.

Em questão de poucos segundos, ela arruma a bolsa – que mais se parece com uma mala – e discretamente coloca o documento na fila de impressão. O barulho da máquina nunca pareceu tão alto, e as folhas nunca saíram devagar assim, parece que todos de repente ficaram em silencio, só impressão, o trabalho já está todo ali. Ela coloca depressa na bolsa, desliga apenas o monitor do computador e sai correndo, irá atravessar a cidade novamente.

A mesma sequência, metrô lotado, empurra-empurra, alguns xingamentos, uma corrida desde a estação até o prédio da faculdade, um atraso tolerável. Coloca o trabalho na mesa do professor e senta, ele já está no meio da explicação, ela já perdeu o fio da meada.

Os minutos vão passando lentamente, os olhos vão ficando mais pesados, a voz do professor melodiosa, a carteira parece tão macia, os olhos vão fechando, fechando... Alice, foco! Acorda!

Alice dorme, pode dormir, depois você pega a matéria com alguém, não é muito difícil, além do mais, teve um dia cansativo... E após essa discussão interna, ela só acorda na hora do “boa noite”, se sentindo culpada, como pôde ter dormido?

Arrasta-se até o metrô, e de novo enfrenta metrô, ônibus e caminhada, para no fim chegar em casa. Toma banho, come, liga o rádio e se joga na cama. Nada mais do que merecido, enfrentou mais uma luta diária, e venceu. Pode parecer pouco por ter virado rotina, mas ela é sim uma vencedora, e agora ela descansa, pois amanhã haverá mais uma luta, e depois de amanhã também, Alice! Bom descanso e bons sonhos.



P.S.: 00h51, chega uma mensagem no celular e não é da operadora, é uma mensagem simples, duas palavras, mas que vão fazer Alice despertar no primeiro toque do despertador: Boa Noite.

Sim, ele mandou uma mensagem.

Iara Santos

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